Entre as tradições religiosas mais conhecidas da humanidade, são certamente nas tradições hinduístas que temos a maior pluralidade de nominações de divindades. Esta pluralidade de divindades e seus respectivos ritos, cultos, fieis e escritos é um fenômeno presente no que se chama de Hinduísmo desde a antiguidade. Já nos escritos mais antigos, os Vedas, se nomeiam muitos deuses. E esta pluralidade permanece até os dias atuais, mas não com as mesmas nominações divinas. Em muitos casos, há divindades cujos nomes e cultos praticamente desaparecem ao longo do tempo e há outras que foram ganhando em importância e seguidores. Assim, especialmente após a grande revolução religiosa ocorrida na Índia em torno do século VII a.C., três divindades receberam um destaque especial: Brahma, Vishnu e Shiva. Este conjunto de divindades é chamado muitas vezes de trimurti, palavra que significa três formas ou três imagens. Assim, a trimurti indiana seria a tríplice manifestação ou forma divina que aparece em Brahma, Vishnu e Shiva, sendo que se atribui a cada qual funções diferentes: Brahma como criador do mundo, Vishnu como mantenedor da existência ou protetor do mundo e Shiva como o seu destruidor. Esta compreensão não é tão antiga na história religiosa da Índia e é mais fruto de reflexão filosófico-teológica que de organização ritual ou religiosa propriamente dita. Historicamente cada uma destas divindades têm origem e culto diferentes. Brahma, que ocupava um papel de destaque na hierarquia divina ao final do período védico, não tem mais uma grande importância nas tradições religiosas hinduístas. Sua função após a revolução religiosa é entendida mais como um demiurgo ou um conselheiro. Já a trajetória de Vishnu e Shiva é muito diferente. Ambas são divindades já nomeadas nos escritos antigos, mas sem a proeminência que foram ganhando com o tempo. O aspecto dominante de Vishnu é o de ser organizador do espaço; quem sustenta e rege tudo o que existe. A Vishnu se atribui também a característica de encarnar-se (tanto nos mitos, como na história atual), assumindo funções e tarefas. Estes, que encarnam na história, são chamados de avatares de Vishnu. Ao lado dele, a outra divindade proeminente na Índia é Shiva, o grande Deus, o terrível, dos escritos antigos. A ele se atribui o domínio do tempo e o poder de dissolver o mundo, mas também de levá-lo à realização, à libertação. Desta forma ele é o verdadeiro guru, que guia os fieis à sua meta final. A importância que Vishnu e Shiva foram ganhando ao longo do tempo também se deve ao fato de terem absorvido muitos cultos a divindades locais. E isto faz com que estas divindades possam ser interpretadas de maneiras muito diversas.
Volney J. Berkenbrock, O mundo religioso (Editora Vozes)